sábado, 1 de junho de 2013

Campina Grande: vigésimo quarto município onde se mata mais jovens negros no Brasil.






    Penso que reduzir a maioridade penal é legitimar a matança de jovens negros no Brasil. Entretanto, as nossas elites conservadoras vem se utilizando dos meios de comunicação para convencer a sociedade a apoiar essa ideia absurda  de redução da maioridade penal como forma de coibir  os crimes praticados por adolescentes, na sua maioria negros e pardos, moradores das periferias  dos grandes centros urbanos do nosso país. Ora, o problema da violência entre jovens  pobres e negros não se pode avaliar por meio de medidas repressivas como se o encarceramento de jovens infratores em presídios desumanizados e sucateados fosse a panacéia para a solução de todos os problemas referentes a esse realidade.
A questão  maior é como nós vamos resolver o problema do desemprego, da falta de educação de qualidade e de oportunidades na vida dessa parcela da população brasileira, abandonada historicamente por esse capitalismo racista e responsável por esse vergonhoso genocídio silencioso, porém, bastante eficaz na sua forma de negar o direito à vida para nossos jovens afrodescendentes. Enquanto a elite branca faz esse debate com vistas a super lotar ainda mais os presídios e sepultar de vez o futuro dos jovens negros e pobres, caso essa proposta nazista venha a ser uma dia aprovada pelo Congresso Nacional. Desafio os defensores da redução da maioridade penal a tirar do papel o Estatudo da Igualdade Racial, já que o mesmo garante que o Estado brasileiro deve investir na cidadania da juventude negra. Desafio esses hipócritas de plantão a botarem em prática as mais de 700 propostas maravilhosas que foram construídas pelo Encontro Nacional da Juventude Negra- ENJUNE, ocorrido no ano de 2007, na cidade de Lauro de Freitas-BA. Com certeza, acredito que esse debate que aqui estou propondo a elite não quer nem saber, por entender que isso seria levar o Brasil para os rumos do quilombismo e isso não importa para quem se acostumou a morar em bairros blindados, explorando e assediando moralmente e sexualmente suas empregadas negras e pardas como na época da casa grande e senzala.
A forma  hipócrita como a elite dominante e racista encara esse debate, na verdade,  parece e muito com os discursos travados no Congresso logo após a abolição e pelos juristas influenciados pela antropologia criminal do italiano- Césare Lombroso, quando se dizia abertamente que o Brasil não deveria abrir escolas noturnas, pois isso iria atrair vagabundos  e marginais para as escolas.Também se defendia um Código Penal diferenciado para negros e brancos, mas a face mais cruel desse racismo veio com a criminalização da vagabundagem no Código Penal. Por esse Código que passou a vigorar um mês após a libertação dos 700 mil cativos o Estado brasileiro podia prender, torturar e jogar na cadeia quem fosse encontrado nas ruas sem ocupação e trabalho. Ora, quem estava jogado à própria sorte e sem trabalho era o povo negro no pós abolição, pois os trabalhadores brancos italianos e alemães tinham a preferência na ocupação do mercado de trabalho na visão racial dos patrões. Para nós historiadores, sabemos que a modernidade que a sociedade brasileira deveria  adotar  tinha de ser construída e moldada  pela “superioridade da civilização européia.” Era  dessa maneira que a classe política e seus intelectuais subservientes a esse projeto de embranquecimento e higienização social e étnica dos espaços urbanos pensava para garantir a paz, conforto e progresso econômico da elite branca. O Bairro de Higienópolis da cidade de São Paulo, provavelmente, deve ter surgido a partir desse contexto histórico, acredito eu como historiador.



                Como podemos perceber, o que  estava claro nesse modelo de desenvolvimento de nação era a necessidade de tornar o país “brasiloiro” como diria o poeta campinense Arnaldo Xavier.Torná-lo rico e próspero apenas para uma pequena elite branca. Esse modelo, infelizmente, acabou  se perpetuando nas práticas e discursos de muitos que dominam atualmente a nossa economia e política no Brasil.Também foi esse projeto de modernidade conservadora e de embranquecimento da população brasileira, portanto, que  fez com que a população negra fosse empurrada para a periferia, morros, palafitas e favelas onde não sem tem serviços públicos de saúde e educação de qualidade. Onde não se tem espaços de lazer para seus habitantes e  uma segurança que respeite os direitos humanos do povo negro. Esse debate não chega nas casa dos(as) brasileiros(as) e a elite manipula a realidade social e esconde do grande público as verdadeiras causas históricas, que levam nossos jovens afrodescendentes para uma cidadania de segunda classe nos grandes centros urbanos e periferias do Brasil.
Portanto, diante desse contexto, quando penso no sofrimento, violência policial, abandono social e desemprego enfrentados diariamente pela juventude negra. Sou obrigado a voltar para esse debate sobre a redução da maioridade penal e dizer que não aceito essa ideia  jamais, visto que não podemos aceitar e admitir que uma elite que gasta bilhões com a Copa do Mundo. Seja a mesma elite brasileira que não tem respostas para os dados que envergonham nossa frágil democracia social e política: no Brasil de cada 10 brasileiros pobres, 6 são negros. Também sofremos mais com a violência policial quando escuto o maravilhoso DVD dos Racionais 1000 Trutas 1000 Tretas. Lá tem uma fala de Mano Brown em que o rapper diz  que de cada 4 brasileiros mortos pela polícia, 3 são negros. São essas questões sociais e raciais que me incomodam e que deveriam fazer parte da pauta de políticos e dos meios de comunicação. No entanto, o que escuto por aí é que não podemos mais aceitar que “menores não sejam presos e fiquem na impunidade.”Até quando vamos conviver com esse discurso hipócrita e racista das elites políticas e logotécnicas no Brasil?
A cidade de Campina Grande é um exemplo paradigmático do quanto as elites racistas são perversas com a juventude negra. Aqui poucos são os gerentes de lojas e farmácias que dão emprego para os afrodescendentes, justamente numa cidade onde nós somos 51% da população  campinense de acordo com dados do IBGE. Para debater esse desemprego, o  Movimento Negro de Campina Grande fez uma mesa redonda sobre a Convenção 111 da OIT e o racismo enfrentado pela raça negra no mercado de trabalho no SINDILOJAS. Só compareceu o Presidente deste sindicato, à época, o senhor Geraldo Magela, visto que a CDL e a Associação Comercial de Campina Grande preferiram ignorar o convite do MNCG, mostrando o total descaso e indiferença com o profundo e violento racismo emfrentado pela raça negra no comércio da nossa cidade. Essa indiferença política das elites eurodescendentes com a nossa realidade racial é, na nossa concepção, a principal responsável por fazer de Campina Grande o vigésimo quarto município onde ocorre mais crimes brutais contra jovens negros no Brasil, segundo o mapa da violência de 2012, divulgado pelo governo federal e que não recebeu a mínima atenção da classe política, dos empresários e dos meios de comunicação da “cidade da inovação,” diga-se a bem da verdade.
Por fim, acredito que um bom caminho para combater o racismo e melhorar a situação de vida dos jovens afrodescendentes por aqui. Seria os Vereadores de Campina Grande  aprovarem o projeto do Vereador Napoleão Maracajá, um projeto que estabelece a Semana da Consciência Negra e o feriado municipal para o dia 20 de novembro, visto que essa iniciativa poderia contribuir para dar visibilidade a todo esse debate que estamos discutindo sobre o genocídio da juventude negra. O projeto é uma política afirmativa e deve ser avaliado pelo lado histórico, uma vez que Campina Grande como o Brasil tem uma grande dívida histórica e social com a nossa população negra. Na nossa cidade 80% dos garis são negros e pardos e a maioria dos trabalhadores da construção civil também são de origem africana. O racismo tem exatamente essa característica desumana e injusta, ou seja, ele sempre tem empurrado o povo negro para os trabalhos mais pesados e de menor remuneração. Nesse sentido não podemos mais aceitar que a Câmara de Vereadores de Campina Grande permaneça indiferente diante desse quadro social e racial, marcado pelo genocídio silencioso e grande desemprego enfrentados pelos nossos jovens afrodescendentes moradores do Pedregal, Bairro das Cidades, Bairro da Glória, Tambor, Catingueira, Bairro do Mutirão, Geremias, morro do urubu, Ramadinha e de outros bairros e territórios, chamados pelos intelectuais e agentes públicos de áreas de vulnerabilidade social.
Com a palavra, as elites racistas e sua classe política omissa diante desse verdadeiro genocídio praticado sob os olhos coniventes e complacentes da classe política campinense.


Autor: Jair Nguni-Historiador e militante do Movimento Negro de Campina Grande.

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