Conheci
este percussionista, capoeirista da Escola de Capoeira Afro Nagô e integrante
do Grupo Maracagrande na Universidade Estadual da Paraíba quando estava para
terminar meu Curso de Licenciatura Plena em História, na UEPB. Conheci o
professor de História Williams Cabral
usando cabelo black power, tranças africanas e dreadlocks. Percebemos no rapaz
um orgulho de ostentar pelas ruas de Campina Grande a estética africana e isso
sempre me chamou atenção, pois aqui na nossa cidade poucos são os negros e
negras que assumem sua negritude com orgulho. A África que fez e ainda deve
fazer literalmente a cabeça desse malungu que gosta de viver na “felicidade
guerreira” das alfaias do maracatu, também deu sua contribuição à luta contra o
racismo no campo acadêmico, tendo em vista que Williams fez um artigo sobre a
Comunidade Quilombola do Grilo, uma comunidade que fica localizada no município
do Riaçhão do Bacamarte. Quem quiser acessar esse trabalho acadêmico é só
pesquisar no blog quilombos da Paraíba.
Este
educador ainda é um dos idealizadores do projeto social e cultural Biblioteca
Comunitária do Tambor. Olhando para as fotos do projeto podemos notar o
compromisso que ele tem com a formação pedagógica de crianças pobres e
adolescentes do Bairro do Tambor. Foi este historiador o reponsável pela
divulgação da minha produção textual no estado da Paraíba, pois, enquanto meus
textos eram divulgados em Salvador, São Paulo e em outros estados do Brasil. Na
Paraíba, apenas o blog livros do tambor
tem aberto seus espaços de comunicação para que eu possa publicar minhas ideias
contra o racismo e socializar, assim, com o grande público meus textos que
também mostram a importância de um Abdias Nascimento e de João Cândido para a
história do povo brasileiro, assim como denunciam o genocídio da juventude negra na Paraíba.
Acredito
que foi dessa forma que tudo começou quando Williams deve ter percebido o valor
social e intelectual dos meus textos e que essa mesma produção textual não era
valorizada por aqui. Acho que foi por essa razão que o joven professor me pediu
para fazer uma pequena análise de um texto de sua autoria, o qual pode ser lido
no blog livros do tambor, intitulado de Realidade Cruel. Esse texto que merece
ser divulgado, em primeiro lugar, parece e muito com as ideias que eu defendo
há mais de 22 anos no Movimento Negro de Campina Grande, visto que em seu
conteúdo há toda uma crítica forte e direcionada aos produtores do “Correio
Verdade,”programa veiculado pelo sistema correio de comunicação que se
especializou em estigmatizar diariamente o negro pobre da periferia como um ser
potencialmente criminoso.
Basta
olharmos para o tratamento humilhante que esse programa faz ao entrevistar nossa juventude negra,
parda e pobre para percebermos as violações dos direitos humanos e que isso faz
parte do ideário dos que defendem a redução da maioridade penal, além de
contribuir para a construção de todo um imaginário preconceituoso em que o joven
negro e pobre tem sempre a sua imagem exposta de forma
totalmente degradante, negativa e estereotipada. Nesse contexto, o jovem
afrodescendente é sempre a principal vítima do estereótipo racista construído
pelas elites dominantes, as quais sempre
quiseram rotular nossos jovens negros,
marginalizados e pobres da periferia como sujeitos sociais “ violentos e bandidos” para justificar os
crimes, mortes, prisões e torturas contra essa mesma juventude que vive abandonada
nas periferias e centros urbanos, por esse sistema capitalista injusto, racista
e opressor.
Assim sendo, diante desse quadro sócio-racial,
somos tratados por essa sociedade excludente como seres humanos descartáveis
desde o 13 de maio de 1888 quando fomos jogados nas favelas, becos, palafitas e
morros sem direito a quase nada em termos de cidadania. Abdias Nascimento do
alto de sua sábia intelectualidade chamava isso de genocídio o que as
elites racistas fizeram e fazem com o povo negro no pós- abolição. Já o
poeta campinense Arnaldo França Xavier fez um caligrama, no ano de 1988, em
forma de cruz para representar o golpe final que o projeto conservador
abolicionista deu no nosso povo negro. Pesquisem a vida do poeta, teatrólogo, compositor
e escritor Arnaldo França Xavier e vocês leitores vão entender o que eu quero
lhes dizer, visto que toda essa história tem tudo a ver Williams com os
argumentos do seu texto quando você diz que a propaganda do "boy
doido" foi deixada de lado, pelo fato de estimular a criação de "jovens
sem perspectiva social em meros delinquentes da periferia", o que
concordo plenamente.
Diante
dessa realidade, é pura obviedade sociológica dizer que nossos jovens negros
são as vítimas preferenciais da violência urbana como você mostrou no gráfico.
Entretanto, você deixou de enfatizar que o racismo cruel, desumano e estrutural
é o principal vetor de produção e reprodução dessa violência contra a população
negra. Poderia, assim, ter sido mais contundente na denúncia dessa matança de
jovens negros como eu faço nas minhas entrevistas e palestras em Campina
Grande. É o racismo sistêmico responsável pela distribuição injusta dos
recursos que nos condena a viver numa eterna cidadania de segunda classe, sem
que a sociedade paraibana e o programa “Correio Verdade” se incomodem com a
morte de tantos jovens negros nas
periferias da Paraíba. Veja, caro amigo
e meus leitores, que as balas de borracha dos policiais contra o Movimento
Passe Livre chama atenção de todos. O negro pobre sofre é com bala de
verdade nas favelas e periferias há décadas e eu não vejo o Movimento
Estudantil, sindicatos e militantes da esquerda partidária fazerem passeatas
para denunciar o genocídio da juventude negra, com raríssimas exceções. Eis aí
algo para você pensar e cobrar dos movimentos sociais de Campina Grande uma
atitude?
Em Salvador,
por exemplo, tivemos que pautar as nossas questões políticas e raciais durante
os protestos pelo passe livre e pela melhoria de todos os serviços públicos no
Brasil. É que na história do nosso país
a classe média branca não vai lutar contra o racismo e priorizar o empoderamento
de nossa população negra. Fizemos na cidade de Salvador a Frente Búzios, visto
que não vamos caminhar na luta por um Brasil melhor, justo e igualitário,
acreditando de forma ingênua que o Movimento Estudantil vai abraçar o que nunca abraçou: as demandas e
bandeiras históricas do Movimento Negro Brasileiro. Por outro lado, perceba que no projeto dos brancos inconfidentes do século XVIII não
existia a preocupação em acabar com a escravidão. Já na Revolta dos Búzios de
1798 existia toda uma preocupação política com o fim do escravismo colonial,
implantação de uma República e salarios iguais para brancos e negros, pois
Lucas Dantas do Amorim Torres, João de Deus do Nascimento, Manoel Faustino dos
Santos Lira e Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga compreenderam que para conquistar
liberdade, cidadania e respeito aos direitos humanos, também era preciso acabar
com as desigualdades raciais. Será que o Movimento Passe Livre e os estudantes
de classe média não poderiam aprender a lutar por igualdade racial, carregando pelas ruas do Brasil a bandeira política dos
mártires da Revolta dos Búzios?
Com relação ao texto Realidade Cruel, concordo com a
ideia de que não podemos naturalizar e banalizar a morte de negros
como se isso fosse apenas por causa do tráfico ou crimes de gangues como a
grande mídia racista quer botar na cabeça do povo brasileiro, já que seu texto
traz essa problematização para o leitor pensar, embora sua narrativa não faça
essa afirmação como tenho feito aqui. Ora, só na capital paraibana são
assassinados 29 jovens negros, para cada joven branco proporcionalmente. Nesse
sentido, a capital João Pessoa tem um índice altíssimo de mortes de jovens
negros, mas o “Correio Verdade” nunca fez matéria sobre esse fato para que a
sociedade possa refletir essa verdadeira pandemia. Não faz
porque não interessa para esse tipo de
programa mostrar que essa realidade persiste, obviamente, por causa da falta de
oportunidades de trabalho e educação de
qualidade na vida desses jovens negros.
O que
interessa para esse tipo de programa é banalizar a violência na hora do almoço
das famílias paraibanas. Para esse programa sensacionalista, o que importa é
rotular, humilhar, explorar a miséria humana e linchar moralmente nossa
juventude negra e pobre das periferias, geralmente chamando-a de “mofi” e de outros adjetivos pejorativos
no intuito de ganhar mais audiência e lucros com patrocinadores, o que levou no
ano passado o Ministério Público Federal a pedir a cassação da concessão da TV
Correio, a condenação dos réus no pagamente de indenização por uso indevido da
imagem, danos à honra e à intimidade, além do pagamento de indenização por
danos morais à coletividade. É uma pena que o MPF não tenha conseguido banir o “Correio
Verdade” do mapa da Paraíba.
Ainda gostaria de continuar fazendo uma análise
do seu texto dentro dessa conjuntura política, marcada pela agitação popular
das ruas em que os(as) estudantes são os principais atores sociais e
protagonistas dessa luta contra a corrupção, falta de qualidade nos transportes
públicos e por melhorias na saúde e educação. Percebemos no Movimento Passe
Livre daqui e de outros estados que nas faixas e cartazes dos estudantes de classe média e pobres das
escolas públicas a falta de preocupação com o fim das desigualdades raciais.
Também, notamos que faz parte da pauta política dos integrantes do Movimento Estudantil
da UEPB e UFCG, assim como dessa mesma classe média branca que tá indo para as
ruas de Campina Grande lutar por um Brasil melhor e livre da corrupção
preocupações com a repressão policial, mobilidade urbana, combate ao projeto “cura
gay” da bancada evangélica do Congresso Federal e rejeição completa a ideia
absurda de retirar do Ministério Público o poder de investigação, o que
considero justo e legítimo diante de tantos desmandos administrativos da classe
política
Entretanto, podemos afirmar sob o ponto de
vista político do Movimento Negro Brasileiro que é notório que essa mesma
juventude citada aqui sempre ignorou
essa matança indiscriminada de jovens negros no Brasil e em Campina Grande,
cidade que ocupa a vigésima quarta posição em assassinatos de jovens afrodescendentes,
segundo o mapa da violência que foi divulgado pelo Ministério da Justiça e SEPPIR.
Pelo visto, parece-me que a tarefa de lutar contra o racismo é sempre do nosso
povo negro e isso me faz lembrar das lições políticas de Steve Bantu
Biko-o criador do Movimento Consciência Negra na África do Sul:"estamos
por nossa própria conta."
Esse
seu texto, caro amigo, ainda poderia servir muito bem como uma
verdadeira lição de moral e cidadania para os políticos e agentes públicos
deste país, já que a morte prematura de centenas de jovens pobres e negros
acontece, na verdade, por falta de emprego, moradia decente, educação de
qualidade, áreas de lazer, etc. Em síntese, não é o tráfico de drogas como o “Correio
Verdade” quer nos fazer acreditar o fator preponderante para explicar as
mortes de tantos jovens, na sua maioria negros e pardos, pelas periferias e
centros urbanos de Santa Rita, Campina
Grande, Sousa, Cabedelo, Patos, Bayux e João Pessoa. Pelo contrário, o
Estado brasileiro sempre ausente nas suas políticas públicas nas periferias e
presente apenas quando é para reprimir como aconteceu recentemente no
conjunto de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, onde vários de seus
moradores foram mortos pelo BOPE-Batalhão
de Operações Especiais da Polícia Militar carioca. Talvez, resida aí as causas reais para explicar parte
dessa violência gratuita nas grandes cidades.
Pode
ser que seja essa forma equivocada e facista do Estado brasileiro de agir, sem
respeitar aquela essência ético- espiritual que a nossa Constituição chama de
dignidade da pessoa humana a real causa para explicar certas
questões que você traz à tona no seu texto. Certamente, vejo que uma
das saídas para o enfrentamento dessa realidade perversa está nas suas próprias
palavras quando você diz de forma categórica:”podemos apresentar alternativas
culturais como as atividades desenvolvidas pela Biblioteca Comunitária do
Tambor, pois a criança que recebe incentivo à leitura com certeza enxergará
outras possibilidades onde antes ela via apenas violência.”
À
guisa de conclusão, vejo que iniciativas sociais como essas da Biblioteca
Comunitária do Tambor me enche de orgulho e de esperanças, tendo em vista
que sua atitude de empreendedor cultural e de todos(as) que fazem parte desse projeto contribui para a construção de um mundo com
justiça social e, por conseguinte, para garantir a cidadania plena a todas
essas crianças excluídas socialmente, assim como para essa juventude pobre e negra esquecida
pelas políticas públicas da “cidade da inovação.” O Bairro do Tambor, mesmo
assim, vai crescer com a força de seu povo impusionada pelo seu trabalho
voluntário- professor Williams Lima Cabral. Vai crescer, por conta de um belo
trabalho social como esse que mesmo sem apoio governamental, diga-se de
passagem, pode cantar para o mundo em que pese todas as dificuldades impostas
pelos vampiros da babilônia:"deixa eu cantar que é pro mundo ficar
odara". Como também pode cantar para combater os novos feitores e
senhores de engenho de Campina Grande, dizendo em alto e bom som:"mais
forte que o açoite dos feitores são tambores, os tambores". Palavras de
Chico César.
Viva a Biblioteca
Comunitária do Tambor!
Autor: Jair Nguni-
Historiador e militante do Movimento Negro de Campina Grande.
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