No último dia 8 de novembro o Movimento Negro de Campina Grande completou 27 anos de
luta contra o racismo. Como presente de aniversário, sofremos a maior
humilhação da nossa história, tendo em vista que a sessão especial que estava
marcada para acontecer no dia 20 de novembro foi cancelada e depois marcada
para o dia 27, sem nenhuma justificativa plausível. Agindo como verdadeiros
senhores de engenho, os Vereadores da “Casa de Félix Araújo” poderiam ter feito
essa sessão logo após a entrega do título de cidadania campinense para a
senhora Maria da Penha. Todavia, não foi isso que aconteceu como estava previsto
e sendo divulgado no próprio Site e Twitter da Câmara de Vereadores de Campina
Grande.
Para
ser sincero, não é de hoje, que esse poder legislativo nos trata com desprezo e
descaso, visto que já fizemos uma Audiência Pública com apenas dois Vereadores
em plenário. Nessa audiência
compareceram o Vereador Tovar Correia Lima e o Ex–vereador Antonio
Pereira. Num país em que a raça negra chega a ser mais de 51% da população
brasileira era pra ser obrigação política e dever ético para qualquer
representante do povo ouvir as reivindicações do movimento negro, até porque,
somos nós que estamos sofrendo mais com o desemprego, analfabetismo, falta de
moradias, violência policial, etc.
Essa
sessão especial tinha sido uma reivindicação minha e lutei muito para organizar esse momento tão
importante na vida de quem luta pela promoção da igualdade racial. Na Câmara de
Vereadores estavam presentes o Mestre de capoeira Sabiá, atual Presidente do
Conselho de Mestres de Capoeira da Paraíba, os militantes do Movimento Negro de
Campina Grande Moisés Alves e Ariosvalber de Sousa Oliveira, além de outras
pessoas engajadas na luta pela valorização da cultura afro-brasileira como o
Presidente da União dos Capoeiras do Planalto da Borborema Bega Pequeno e do Vice-
presidente da UCPB Aldo Batista. Todos à espera de uma sessão especial que não
aconteceu por desorganização, incompetência e má fé dos Vereadores.
Não
há como negar a verdade dos fatos. O real objetivo de quem organizou a entrega
do título de cidadão para Maria da Penha no Dia Nacional da Consciência Negra
era desprestigiar e esvaziar a sessão especial, voltada para a valorização dos
legítimos representantes dos ideais de Zumbi dos Palmares. Ademais, quando
percebi que a Prefeitura de Campina Grande não tinha feito qualquer programação
para refletir o Dia Nacional da Consciência Negra junto à população como fez a
Prefeitura de João Pessoa em 15 bairros da capital, através de palestras, debates,
oficinas e apresentações musicais e culturais com artistas e grupos da cultura
afro-brasileira. Logo, vi que o circo da
hipocrisia eurodescendente por aqui estava muito bem armado para humilhar o
movimento negro e impedir que a sociedade tomasse consciência das profundas
desigualdades raciais no Dia Nacional da Consciência Negra- 20 de novembro.
A
Prefeitura Municipal de Campina Grande, por meio de sua Coordenadoria Especial
de Políticas Públicas para as Mulheres já tinha elaborado uma programação para
homenagear na Câmara de Vereadores- a biofarmacêutica Maria da Penha, o que
considero politicamente correto e mais do que justo para uma cidadã como ela
que vive num país onde a cada ano dois milhões de mulheres são vítimas da
violência doméstica. O que é inaceitável, na minha visão, foi ter presenciado
esse total descaso e desrespeito com uma sessão previamente aprovada pelos
próprios Vereadores. Os convites foram feitos e distribuídos para várias
escolas como o Colégio Estadual da Prata e Clementino Procópio. Foi assim que,
várias entidades foram convocadas para a Câmara de Vereadores na expectativa de
nos ouvir. A ASSORAC- Associação Raízes da Cultura foi uma delas.
Todo
mundo sabe por aqui que sempre fizemos sessões especiais bastante prestigiadas
pelo público. Mas, a politicalha carcomida, covarde e racista dessa cidade,
capitaneada pelo grupo político que atualmente domina e chama Campina Grande de
“cidade da inovação”, são conhecedores do nosso poder de mobilização popular.
Portanto, não tenho a menor dúvida de que o movimento negro foi vítima de um
grande golpe baixo e sujo. É que a intenção dos Vereadores em um verdadeiro
conluio com a Prefeitura era usar o nosso público para homenagear Maria da Penha
e depois cancelar a sessão alusiva ao Dia da Consciência Negra. De fato, foi realmente
isso que aconteceu, já que muitas pessoas acabaram indo embora pelo fato de
terem percebido que não tinha nenhum debate sobre movimento negro, racismo e consciência negra
no plenário da Câmara de Vereadores. As alunas da Escola Normal foram embora,
por exemplo, já que elas perceberam que ali estava acontecendo outra coisa bem
diferente do convite que haviam recebido. Essa escola gastou 100 reais para
alugar um ônibus para 50 estudantes. Já outros estudantes como os da Escola
Estadual Dom Luiz Gonzaga tiveram que prestigiar a entrega do título para a
senhora Maria da Penha, embora estivessem ali para prestigiar a sessão especial
alusiva ao Dia Nacional da Consciência Negra.
Assim, diante desse quadro, o prejuízo
educacional e ainda financeiro para os estudantes e professores dessas escolas
aqui mencionadas merece um registro, visto que muitos não tiveram aulas nesse
dia e tiveram que gastar dinheiro do próprio bolso para prestigiar uma sessão especial
que não aconteceu. Será que algum dia os Vereadores vão pedir desculpas para
essas escolas? Por que não botaram a sessão para acontecer antes da entrega do
título de cidadão, para a senhora Maria da Penha?
Creio que nesses 27 anos de luta do movimento
negro campinense fizemos aproximadamente cinco sessões especiais. Nunca tínhamos
organizado uma sessão para ser cancelada e remarcada para outra data como os Vereadores
fizeram sem nos consultar. Outro erro da Câmara de Vereadores foi ter rejeitado o feriado municipal para o
dia 20 de novembro, pois esse tipo de atitude reforça o racismo. Teve Vereador,
inclusive, que alegou que o comércio não podia parar. Outros se posicionaram
contra por entender que o Brasil já tem feriado demais. É, pelo que podemos
notar, os Vereadores de Campina Grande são defensores de um centro comercial
onde impera um violento racismo, visto que são pouquíssimos os negros e negras
que conseguem emprego no comércio de nossa cidade.
Realmente,
é muita hipocrisia e demagogia de um poder legislativo, tendo em vista que eles
tinham aprovado a criação da Semana da
Consciência Negra e de Ação Antirracista este ano. Em síntese, os nobres Edis
de Campina Grande desrespeitaram o que eles
aprovaram em debates no plenário da “Casa de Félix Araújo”, assim como
fizeram de conta que não sabiam que já é feriado em mais 1047 cidades em todo
Brasil. Assim sendo, caiu por completo a máscara da hipocrisia política dos
Vereadores daqui, já que o comércio de grandes cidades como Rio de Janeiro, São
Paulo e Curitiba pode parar, mas o de Campina Grande não pode na visão tacanha dos
“representantes do povo”.
Nós
do movimento negro temos percebido que várias homenagens são feitas na Câmara
de Vereadores, geralmente para personalidades da classe média branca. Posso
citar alguns nomes que receberam este ano homenagens recentemente deste poder
legislativo. São eles: o Reitor do Mackenzie Benedito Guimarães, o Diretor do
IFPB Cícero Nicássio e o historiador
Josué Silvestre, sendo que este último
ganhou uma medalha de honra ao mérito dos Vereadores e os outros dois
professores títulos de cidadãos campinenses. O Babalorixá e pernambucano
Vicente Mariano que tem mais de 58 anos de iniciação no candomblé jamais foi homenageado
pelos Vereadores campinenses. O mesmo posso dizer da umbandista Ivonete do Keto
e do conhecido Babalorixá pai Walter da Lagoa, ambos residentes no Bairro de
José Pinheiro. Já pedi para o Vereador
Napoleão Maracajá para apresentar essa proposta de homenagear Vicente Mariano
no próximo ano, com o titulo de cidadão campinense. Será que essa proposta vai
ser aprovada pelos Vereadores algum dia?
Este
Vereador do PC do B que é Presidente da Comissão de Direitos Humanos, tem pela
frente esse verdadeiro desafio político no encaminhamento dessa minha proposta,
proposta esta, que deveria ser prioridade no mandato dos Vereadores, pois esses
representantes do povo não tem feito nada para combater à intolerância
religiosa em Campina Grande. Portanto, nada melhor do que começar esse debate
dando um título de cidadão a quem de fato tem história para contar, visto que
Vicente é negro e cultua os orixás num país racista como o nosso, onde
babalorixás e yalorixás já foram presos, torturados, mortos e até enviados para
manicômios apenas pelo fato de cultuar seus deuses trazidos da África. Espero
que o Vereador Napoleão Maracajá tenha coragem para fazer tal debate, lutando
pela aprovação desse título, já que isso seria verdadeiramente um marco na
história do povo de santo tão oprimido, perseguido e marginalizado
historicamente em nosso município.
Com a palavra, os Vereadores
de Campina Grande responsáveis pela maior humilhação que o movimento negro já
passou nos seus quase 30 anos de luta pela igualdade racial.
Autor: Jair Nguni-
historiador e militante do Movimento Negro de Campina Grande-MNCG.